O acidente ocorreu no último
içamento de uma das grandes estruturas da cobertura do estádio que conforme
informado no jornal da Band (27/11/13) tinha peso de 420 t.
Na figura abaixo divulgada na
internet consta que o guindaste estava com 114 m de lança.
É de se estranhar que por vezes
foi falado na mídia que o guindaste tem capacidade para 1.500 t, conforme
consta nas informações da figura acima, porém o Guindaste Liebherr LR-11350 na
sua tabela comercial não indica essa capacidade, mas sim a capacidade máxima de
1.350 t para a configuração SDBW2 com lança de 60 m e raio de 12 m, e 990 t de
contrapesos conforme tabela abaixo:
A figura acima indica a
configuração de montagem do guindaste que permite o máximo afastamento de
contrapesos e a maior utilização de contrapesos (660 t) que corresponde a parte
específica da tabela de carga na qual o equipamento está configurado para sua
maior capacidade e o comprimento da
lança pode variar entre 48 e 78 m, o que não corresponde a condição de montagem
do equipamento na ocasião do acidente. Assim deve-se ressaltar que além das
variações de capacidade de cargas decorrentes do raio de operação, comprimento
de lança e quantidade de contrapesos utilizados, existem para esse equipamento
diversas outras opções de montagem que resultam em capacidades de carga para
cada raio de operação limitadas tanto pela condição estrutural como pelo limite
de estabilidade. Por se tratar de um equipamento de fabricação Alemã, a tabela
de carga está limitada para a condição de estabilidade em 75 % do limite de
tombamento do guindaste conforme norma DIN/ISO, porém na tabela de carga não
temos como identificar se a capacidade indicada para a configuração e
parâmetros operacionais está limitada pela condição de estabilidade ou
estrutural.
Outra indicação do fabricante que
limita a capacidade máxima do equipamento e consta do catálogo comercial é a
capacidade máxima do moitão correspondente a 1.350 t, conforme consta da figura
abaixo:
A elucidação acima quanto a
capacidade limite ou nominal do equipamento o que por si só já consta da
indicação no fabricante na própria nomenclatura do modelo tem o objetivo de
alertar para o fato que de forma irresponsável alguns usuários de equipamentos
ultrapassam deliberadamente os limites indicados na tabela de carga sob o
equivocado subterfúgio de que a norma americana SAE estabelece o limite de
estabilidade em 85 % do limite de tombamento.
Para utilização fora do mercado
europeu, equipamentos fabricados em conformidade com a norma DIN/ISO podem ser
configurados para tabelas técnicas fornecidas pelos fabricantes que trazem como
limite de estabilidade 85 % do limite de tombamento, respeitando o limite
estabelecido pela norma SAE, porém isso não significa um acréscimo de 13 % em
toda a tabela de carga, mas sim que na grande maioria das configurações a
tabela de carga passa a ser limitada pela condição estrutural do equipamento.
A evolução tecnológica de
processos e materiais de construção mecânica, associada a evolução tecnológica
de monitoramento eletrônico e controles computacionais embarcados permitiu a
grande evolução da capacidade de cargas dos guindastes assim os equipamentos
são extremamente seguros quando respeitados seus limites e condições
operacionais, além do que devem ser observadas as boas práticas no que diz
respeito a garantir fatores de segurança compatíveis com a operação no que diz
respeito a relação entre a carga bruta içada e a capacidade, porém os
equipamentos modernos não aceitam desaforo, não há margem além da tabela de
carga, e se isso não é respeitado duas possibilidades são eminentes, o tombamento
por condição instabilidade ou o colapso estrutural por sobrecarga na estrutura
do guindaste.
Existem outros fatores que podem ser
especulados como causas adicionais para a ocorrência do acidente que devem ser
objeto de investigação, que são a pressão sobre toda a força de trabalho para
conclusão da obra e excesso de confiança que o operador tenha adquirido ao longo
da obra que pode ter levado a operar o equipamento em uma condição limite.
Outro aspecto é em relação às condições do terreno, se houve preparação
adequada para o deslocamento com carga, uma vez que houve chuvas nos dias anteriores
ao içamento.
Aparentemente no caso do
Itaquerão houve colapso estrutural, uma vez que as imagens não demonstram que houve
afundamento relevante do terreno nem inclinação ou tombamento da base da
máquina. Nas fotos divulgadas não foi possível visualizar desnivelamento na
base do guindaste por afundamento de alguma das esteiras, o que pode ter
ocorrido de forma sutil, mas suficiente para levar o raio de operação a uma
condição que ultrapassou o limite estrutural do equipamento, isso se a carga
foi anteriormente levada a um raio máximo, ou seja, operação a 100% da tabela
de carga.
Percebe-se também nas imagens que
havia possibilidade de maior aproximação do guindaste, de forma a operar num
raio menos crítico para a montagem da estrutura.
Nas imagens acima observa-se a
esquerda o equipamento no momento do içamento da estrutura no local de
pré-montagem, com a lança em direção oposta a posição de montagem, e a direita
a vista aérea da situação após o acidente. Nessas imagens podemos estimar
algumas ordens de grandeza tais como:
1) Entre
o içamento inicial da estrutura e posicionamento para montagem houve, além do
giro de 180° do guindaste, deslocamento com carga içada da ordem de 3 vezes o
comprimento das esteiras, ou seja de aproximadamente 45 m;
2) O
comprimento de lança montada no guindaste é da ordem de 2,7 vezes o comprimento
do mastro (42 m), o que corresponde a ordem de grandeza de 114 m, conforme indicado
na figura inicial desse artigo;
3) O
raio inicial do içamento da estrutura na posição de pré-montagem é da ordem de 2
vezes o comprimento das esteiras, o que corresponde a aproximadamente 30 m;
4) O
Raio dos contrapesos flutuantes é da ordem de 1,7 vezes o comprimento das
esteiras o que corresponde a ordem de grandeza de 25 m.
Conforme figura apresentada no
início desse artigo e imagens do acidente a configuração na qual o guindaste
estava montado era com contrapeso flutuante como consta da figura abaixo:
Aparentemente a configuração
adotada para o guindaste durante a operação que resultou no acidente foi SDB,
com comprimento de lança de 114 m (S), mastro de 42 m (D), e contrapesos
flutuantes de 600 t num raio de 25 m (B), e mais 300 t de contrapeso no corpo
do guindaste, o que resulta de acordo com a tabela comercial nas seguintes
capacidades de carga para os respectivos raios de operação:
Raio de Operação (m)
|
Capacidade de carga (t)
|
Raio de Operação (m)
|
Capacidade de carga (t)
|
|
18
|
473
|
30
|
446
|
|
20
|
473
|
32
|
442
|
|
22
|
468
|
34
|
434
|
|
24
|
463
|
36
|
422
|
|
26
|
459
|
38
|
409
|
|
28
|
451
|
40
|
396
|
Obs.: Página 30 da tabela de
cargas em anexo.
Na imagem abaixo pode ser
observado que havia a possibilidade do guindaste ter se deslocado ainda mais
próximo do local de montagem, reduzindo assim o raio de operação para
instalação da estrutura:
Conforme relatado pela imprensa e
pelos responsáveis da obra em entrevista, esse içamento já deveria ter ocorrido
uma semana antes, seria o último grande içamento de estrutura metálica da
cobertura do estádio e já haviam sido realizados anteriormente por esse mesmo
guindaste 37 içamentos de estruturas semelhantes a que estava sendo içada
durante o acidente, uma das quais idêntica posicionada do lado oposto da
arquibancada, porém conforme depoimento de um operário no caso anterior a
estrutura foi pré-montada mais próximo do local de instalação e não precisou
haver deslocamento do guindaste com carga durante a operação.
Na mesma imagem percebe-se que o
guindaste já havia girado a carga para a posição de montagem, que está indicado
abaixo pela reta que passa pelo centro dos contrapesos flutuantes e centro de
giro do guindaste, dando a impressão que o guindaste já havia parado o
deslocamento e estava posicionando a estrutura no local de montagem, talvez num
raio de operação crítico, o que pode ter requerido deslocamento adicional com a
carga em raio máximo, objetivando alcançar a posição de montagem sem mais
abertura de lança, gerando uma condição extremamente crítica que pode ter
acarretado o acidente, seja por um pequeno desnivelamento ou afundamento do
terreno ou por efeitos dinâmicos sobre a estrutura do guindaste, principalmente
se este já estivesse com mínima folga operacional.
Na imagem abaixo podemos estimar
que o raio de operação para instalação da estrutura na posição em que o
guindaste estava no momento do acidente é pouco mais que 2 vezes o comprimento
das esteiras, o que sugere um raio superior a 30 m.
Podemos estimar a composição de
carga bruta, considerado o peso da estrutura de 420 t o peso do moitão de no
mínimo 16,5 t (para capacidade máxima de 470 t), considerando que não estivesse
instalado o moitão auxiliar, e estimando o peso dos acessórios (Lingadas e
manilhas) em 2 t e cabo lançado do guindaste em 4,5 t, o que resulta em 443 t,
sem considerar eventuais contingências cujas boas práticas recomendam adicionar
mais 3 % ao valor obtido.
No link http://www.liebherr.com.br/CR/pt-PT/products_br-cr.wfw/id-8361-0/measure-metric
constam as especificações técnicas do Guindaste LR-11350, indicando a sua
capacidade máxima de 1.350 t, o que também consta da imagem abaixo extraída da página
do fabricante Liebherr, onde podem ser baixados arquivos com informações
técnicas e tabelas de carga do equipamento.
As boas práticas recomendam a
utilização de 85 % da tabela de carga para operações com um guindaste e de 75 %
da tabela de carga para operações com dois Guindastes em tandem ou para o
guindaste auxiliar durante operação de verticalização. É também usualmente considerado para determinação
da capacidade requerida na tabela de cargas do guindaste um fator de
contingências de 3 % e um fator de amplificação dinâmica acrescentando 15 %,
este último fundamental principalmente em operações em que seja previsto o
deslocamento do guindaste com carga içada, dessa forma para estas operações o
percentual de utilização do guindaste não deve ultrapassar 87 %.
A Norma da Petrobrás N-1965,
classifica como operação crítica todo içamento de carga no qual o percentual de
utilização da capacidade de carga de tabela do guindaste esteja entre 77% e 95
%, de forma que mesmo considerando crítica admite a utilização de até 95 % da
capacidade de tabela, o que tecnicamente é possível e seguro, porém requer o
bom senso na análise de outros fatores que tornem a atividade ainda mais
crítica tais como:
1)
Deslocamento do guindaste com carga içada;
2) Operação com dois ou mais guindastes
simultaneamente para içamento ou verticalização de uma única carga;
3)
Operações em que o ponto de içamento da carga
estiver abaixo do nível de apoio do guindaste;
4)
Altura de elevação da carga e condições de vento
do local de operação do guindaste.
Existem outras situações
indicadas na literatura e em normas de algumas empresas a exemplo da N-1965,
pertinentes a condições específicas das unidades industriais a que se destinam.
A velocidade máxima de
deslocamento do equipamento é de 1 km/h o que corresponde a aproximadamente 17
m/min, porém com o guindaste em carga certamente não houve deslocamento nessa
velocidade, e sim numa velocidade bem inferior que pode ser estimada em no
máximo 10 % da velocidade máxima, assim um deslocamento da ordem de 45 m deve
ter demorado mais de 25 minutos, ainda acrescido do tempo de possíveis paradas
para avaliação das condições do terreno, isso pode ter provocado ainda mais
pressão sobre o operador para concluir a atividade antes do posicionamento
ideal com raio seguro para operação, principalmente porque duas atividades
incompatíveis estavam sendo realizadas simultaneamente no mesmo canteiro de
obras, a montagem da última estrutura metálica e um evento comemorativo da
conclusão dessa fase da obra sem que efetivamente tivesse ocorrido. Isso nos
remete a copa do mundo de 1950, quando da forma mais dura nossa nação aprendeu
que não deve festejar de véspera.
O vídeo divulgado em 28/11/13 na
internet, cujo link está abaixo, reforça a hipótese de colapso estrutural: http://www.redetv.com.br/Video.aspx?16,32,374969,esportes,redetvi-esportes,itaquerao-video-mostra-exato-momento-do-acidente
Chama a atenção no vídeo que já
na primeira imagem aparece o cabo do guindaste fora da vertical, inclinado em
direção a lança, como se a carga tivesse de alguma forma oscilado ou se chocado
contra alguma outra estrutura. O autor do vídeo fez referência a ter visto a
estrutura oscilando segundos antes de fazer a filmagem que capturou o momento
exato do acidente.
Não há como nesse artigo emitir
um parecer técnico sobre o que realmente ocorreu, porém, não há como deixar de
registrar e protestar contra a omissão do poder público, no que diz respeito a
falta de Norma Regulamentadora específica para a atividade de guindar, assim
como protestar contra aqueles que de
forma leviana e irresponsável convertem capacidades de equipamentos de guindar
sem respaldo técnico do fabricante,
indicando por exemplo que um guindaste com capacidade máxima para 1.350 t teria
a capacidade para 1.500 t conforme foi amplamente divulgado na mídia.
Mesmo que meramente especulativa
visto que uma análise conclusiva requer além de maiores informações e
evidências que só podem ser obtidas no local do acidente, assim como a
confirmação dos parâmetros da operação e configuração do guindaste, é alarmante
a possibilidade de que contrariando o que foi divulgado pela mídia o içamento
tenha sido realizado praticamente sem margem de segurança, sem folga em relação
a capacidade de tabela de carga.
No Brasil há uma carência
Normativa em relação ao tema, o que está se tornando extremamente crítico com o
crescente mercado de construção pesada e montagem eletro-mecânica onde estão
sendo utilizadas soluções de pré-montagem e instalação de grandes estruturas ou
grandes equipamentos com guindastes cada vez maiores.
É urgente a regulamentação não só
dos critérios de segurança e planejamento, mas também dos requisitos mínimos de
capacitação e certificação para todos os profissionais envolvidos na atividade,
assim como a definição de certificação de conformidade de inspeções no mínimo
anuais dos equipamentos de guindar e seus acessórios.
Recife, 28 de Novembro de 2013.
Autor: Roberto de Souza van der
Linden, Engenheiro Mecânico (UFPE), com curso de especialização em Engenharia
Naval (UPE/USP) e Rigger RGS/1459/2009
(OPUS/SOBRATEMA), atua como profissional responsável por atividades de
manutenção de equipamentos e movimentação de cargas desde setembro de 2007 em
obras da RNEST.
Anexo 1: Pagina 30 Tabela Comercial
de Cargas LR-11350